Usina da Ecometano – Divulgação
Enquanto o governo brasileiro discute uma potencial redução na tributação de combustíveis fósseis, na contramão do mundo, produtores de biogás tentam criar condições para fazer deslanchar no País uma alternativa renovável ao diesel: o biometano. O cenário em 2021 é visto como promissor, com a quebra do monopólio da Petrobrásnos gasodutos, a esperada aprovação do Novo Mercado do Gás pelo Congresso Nacional e o fortalecimento da agenda ESG (sigla em inglês para os aspectos ambiental, social e governança) na esteira da pandemia da covid-19.
Ao popularizar o consumo de gás natural, a nova Lei do Gás deve incentivar também projetos de geração de biogáse biometano – obtido a partir da purificação do primeiro – a partir de aterros sanitários e resíduos orgânicos. O texto já aprovado no Senado libera o acesso do biometano à rede de gasodutos, estimulando sua regulamentação pelos Estados, a quem compete a política de distribuição do gás. O recém-aprovado marco do saneamento também é favorável, já que o biometano pode ser produzido a partir do tratamento do biogás gerado nos aterros sanitários e nas estações de tratamento de esgotos (ETEs).
Segundo a Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), a produção nacional de biometano ainda é pequena: 365 mil metros cúbicos por dia. A entidade projeta um aumento de 10% em 2021, ritmo de crescimento pouco abaixo do ano passado (de 14%, apesar da pandemia). O volume está muito aquém do potencial brasileiro, estimado pela entidade em 120 milhões de metros cúbicos por dia, tendo em vista a quantidade de resíduos produzidos no País. É o equivalente a 39 bilhões de litros de diesel, 70% do consumo nacional em 2019.
O biometano pode ser destinado à geração de energia elétrica e substituir o gás natural de uso industrial e residencial, mas é no abastecimento do transporte veicular que reside seu maior potencial. A estimativa é que ele reduza de 90% a 96% as emissões de gases do efeito estufa quando comparado ao diesel e à gasolina. A queima do biogás produzido pela degradação natural dos resíduos orgânicos também evita a emissão do metano, que tem potencial de aquecimento global 20 vezes superior ao CO2.
O diretor de Vendas de Soluções da Scania no Brasil, Silvio Munhoz, conta que em 2020, com a pandemia, cresceu a procura de empresas interessadas em caminhões a biometano e GNV para reduzir emissões em sua cadeia logística. A estimativa é fechar 2021 com a venda de mais de duas centenas de unidades no País, contra 70 em 2020. A participação dos modelos a gás na produção e nas vendas da fábrica de São Bernardo do Campo (SP) ainda é pequena. No ano passado foram produzidas mil unidades a gás – a capacidade instalada da planta é de 30 mil veículos por ano. A fabricante já exportou 2.300 modelos a biometano para a América Latina desde o início da produção.
A Scania foi pioneira na produção desses veículos no Brasil. A primeira entrega foi feita em 2020, para a L’Oréal. No dia 5, a empresa apresentou o primeiro ônibus rodoviário movido a gás para fretamento no País. O modelo vai transportar trabalhadores da usina de aços especiais da Gerdau, também a primeira a usar um caminhão a biometano na mineração. Munhoz admite que os caminhões da linha podem ser até 30% mais caros, mas diz que isso é compensado pela redução de custos ao longo do tempo. “É economicamente viável. Apostamos firmemente que essa alternativa vai ganhar escala no Brasil”, diz.
A New Holland Agriculture trabalha para colocar no mercado brasileiro em até dois anos seu trator a biometano. O modelo está em teste por aqui desde 2017 e a ideia é que seja abastecido pelo próprio produtor rural com o biogás gerado por resíduos animais ou de culturas nas fazendas. A fabricante calcula que o motor a biometano gere uma redução de custos entre 25% e 40% quando comparada com os combustíveis convencionais. A aposta é que haverá demanda de agricultores em busca de redução de custos e aumento de produtividade por meio de tecnologias limpas.
Avanço na produção
Hoje o País tem oito usinas de biometano em produção comercial, fruto de R$ 680 milhões em investimentos. Apenas três entregam o combustível no padrão exigido pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). A Ecometano, do Grupo MDC, opera duas delas: a GNR Fortaleza, no município de Caucaia (CE), e a GNR Dois Arcos, em São Pedro da Aldeia (RJ), na Região dos Lagos fluminense. Durante a pandemia, o biometano produzido no aterro sanitário de Caucaia atendeu a cerca de 40% da demanda total de gás cearense, por meio da distribuidora local Cegás.
A CEO do Grupo MDC, Manuela Kayath, diz que, ao mesmo tempo em que a nova Lei do Gás promete destravar o chamado mercado livre – em que consumidores escolhem seus fornecedores -, cresce a demanda de empresas com metas de descarbonização mais agressivas. Para a executiva, a diferença de custo do biometano é compensada por benefícios como a melhora nos múltiplos das ações das companhias e o lastro para a emissão de títulos de dívida vinculados a metas sustentáveis por elas. “Hoje enxergamos a possibilidade de cobrar um prêmio em relação ao combustível fóssil”, afirma.
Apostando na expansão do mercado, o grupo negocia a instalação de uma nova usina de biometano com um aterro privado em São Paulo e planeja investir em plantas de biodigestão de resíduos como vinhaça e sisal. Assim como outras empresas do setor, a MDC vê no biometano o potencial de interiorização do gás. A malha de gasodutos nacional é concentrada no litoral, enquanto o oeste do País tem um potencial enorme de produção a partir da biomassa e dejetos animais.
Para avançar a uma produção diária de 32 milhões de metros cúbicos de biometano em 2030, a Abiogás calcula que seriam necessárias cerca de mil plantas de biometano, com capacidade instalada de 30 mil metros cúbicos/dia. O investimento estimado é de R$ 50 bilhões, diz o vice-presidente da associação, Gabriel Kropsch. A entidade tenta negociar com o governo formas de dar escala à produção e fomentar os projetos.
Segundo Kropsch, já há linhas de crédito atrativas, mas que esbarram na questão das garantias. “Está em discussão a criação de um fundo garantidor para o financiamento desses projetos. Estamos conversando com BNDES e ministérios de Minas e Energia e Economia”, diz.
Leilões
Outra demanda levada ao Ministério de Minas e Energia e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é que haja leilões específicos para o biogás, a exemplo da estratégia usada para dar tração às energias solar e eólica. Em 2021 os leilões A-3 e A-4 terão entre suas fontes projetos de biogás na categoria termoelétricos a biomassa. Já os leilões A-5 e A-6 incluem a geração a partir de aterros sanitários e outros resíduos sólidos, mas também com outras fontes.
De olho nesse potencial, novos projetos vêm sendo anunciados. A GasBrasiliano e a Cocal Energia fecharam em janeiro uma parceria para fornecimento de biometano para o oeste paulista. O investimento em um gasoduto e uma usina é estimado em R$ 160 milhões, com distribuição a partir de julho de 2022.
A Zeg Biogás planeja investir R$ 460 milhões até 2024. A empresa finaliza uma planta de biometano no aterro sanitário CTL Ecourbis, na capital paulista, e até meados do ano inicia a produção no primeiro de seis projetos de biogás a partir do resíduo da produção de etanol, a vinhaça. A aposta é que o combustível renovável vai revolucionar a frota pesada no Brasil assim como o etanol o fez na frota leve.
Fonte: Mariana Durão – O Estado de S.Paulo