Conhecido há muitos anos, o processo de produção de biogás a partir de resíduos e efluentes agropecuários passou por inúmeros reveses em sua implementação no Brasil. Recentemente, a evolução tecnológica e a difusão do conhecimento técnico no setor têm levado a uma rápida expansão no número de plantas em operação e no volume de biogás produzido no país. Esse crescimento, contudo, ainda é tímido diante do potencial de geração que um país com um agronegócio tão desenvolvido pode atingir.
Uma das principais vantagens do biogás é sua ação sobre as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em duas frentes. Primeiramente, a produção de biogás mitiga a emissão de gases (principalmente metano e CO2) oriundos da degradação da biomassa não aproveitada, por meio da queima do metano. Adicionalmente, sua transformação em energia térmica, elétrica ou biometano possibilita a substituição de combustíveis fósseis no processo produtivo agroindustrial, o que pode resultar ao final em uma pegada negativa de carbono.
Como há grande flexibilidade no tamanho e escala dos biodigestores, existe um enorme potencial para a geração compartilhada de energia elétrica no setor agropecuário, que beneficiaria os produtores em termos de previsibilidade dos gastos com energia e redução do risco de instabilidade e interrupção no fornecimento.
Evolução recente da produção de biogás no Brasil
A partir da década de 1970, com a crise do petróleo, o biogás começa a ser considerado uma alternativa viável para a diminuição de derivados de petróleo na matriz energética no Brasil. Iniciativas de estímulo a sua utilização surgem ao longo das décadas seguintes, mas apenas com o desenvolvimento de equipamentos específicos, de alta performance, e com o conhecimento técnico e a capacitação operacional alcançados a partir dos anos 2000, o biogás ganha impulso no país.
O lançamento do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), que objetivava ampliar a geração de energia elétrica por meio de pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e das fontes eólica e de biomassa, e a instituição da geração distribuída pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) geraram estímulos adicionais. Como resultado, a instalação de plantas de biogás, de todos os portes, teve grande incremento nos últimos anos, como mostra o gráfico a seguir.
Plantas de biogás em operação por porte no Brasil
Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Cibiogás.
Atualmente, embora os substratos agropecuários sejam os mais utilizados pelos sistemas de biodigestão existentes no país, a maior parte de biogás gerado, equivalente a cerca de 76% do volume total, tem origem nas plantas que processam resíduos sólidos urbanos ou efluentes das estações de tratamento de esgoto. Já em relação à aplicação energética, cerca de 86% do volume total de biogás produzido é utilizado na geração de energia elétrica.
A análise desses dados, em especial do volume produzido a partir de resíduos agropecuários vis-à-vis à produção do agronegócio brasileiro, permite intuir o imenso potencial ainda inexplorado de utilização dessa fonte de energia renovável. Nesse sentido, diversos estudos vêm buscando quantificar esse potencial.
Estimativas do potencial do biogás no setor agropecuário
Há uma grande variedade de biomassas utilizadas na produção de biogás. Cada localidade ou país tem uma especialização produtiva que define uma quantidade de rejeitos que tornam determinada biomassa mais abundante. Além disso, há o custo de oportunidade em se utilizar uma biomassa em função de seus possíveis usos alternativos.
O potencial efetivo de geração de biogás está vinculado ao tipo de resíduo utilizado, isto é, o potencial químico de cada substrato é fundamental na determinação do potencial energético. Nesse contexto, os diferentes estudos que tentam quantificar o potencial do biogás podem ser teóricos, construídos por meio da definição de parâmetros de cálculo, ou baseados em experimentos empíricos, que buscam extrair os volumes produzidos de substratos distintos.
Como um dos maiores produtores e exportadores de proteína animal no mundo, o Brasil tem grande potencial de geração a partir de resíduos animais, oriundos de atividades como a avicultura de postura e de corte, suinocultura e pecuária de corte e leiteira. Outro setor muito favorável a essa produção é o sucroenergético, que gera grande volume de resíduos orgânicos, como a palha, o bagaço, a vinhaça e a torta de filtro, concentrados espacialmente em grandes unidades produtivas. Por fim, dada a importância de algumas culturas na produção agrícola brasileira, caso da mandioca, do milho e da soja, considera-se que seus resíduos e efluentes também representam oportunidades na produção de biogás.
A tabela a seguir, elaborada a partir de dados da Associação Brasileira do Biogás (ABiogás), resume os potenciais de produção por segmento, inclusive para resíduos sólidos e saneamento, bem como os montantes de eletricidade e biometano que poderiam ser produzidos em virtude desses potenciais. Para efeito de comparação, o potencial de geração elétrica a partir do biogás é equiparável ao do setor hidrelétrico brasileiro, estimado em cerca de 172 GW (EPE, 2020). Alternativamente, se o mesmo biogás fosse transformado em biometano, esse teria potencial para substituir até 76% do diesel consumido no Brasil em 2019.
Potencial brasileiro de biogás e biometano por fonte em 2019
Fonte: Elaboração própria, com base em Abiogás.
No artigo Biogás: evolução recente e potencial de uma nova fronteira de energia renovável para o Brasil, publicado no BNDES Setorial 53, os autores apresentam um levantamento de diferentes estimativas e análises do potencial de produção de biogás no país, dando conta desses diversos segmentos produtivos.
Leia o estudo completo
Fonte: Agência BNDES de Noticias