Mesmo com setor elétrico em alerta, bioenergia segue subaproveitada

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São Paulo – Ao mesmo tempo que a falta de chuvas coloca reservatórios de hidrelétricas em alerta e acende um sinal amarelo sobre possíveis restrições no fornecimento de energia no Brasil neste ano, fontes alternativas continuam subaproveitadas.

 

A bioeletricidade é uma energia renovável, feita a partir da biomassa: resíduos da cana-de-açúcar (bagaço e palha), restos de madeira, carvão vegetal, casca de arroz, capim-elefante e outras. No Brasil, 80% da bioeletricidade vem dos resíduos da cana-de-açúcar, segundo o setor.

 

Porém, apenas 15% do potencial de geração de bioeletricidade, por exemplo, produzida a partir da cana-de-açúcar é aproveitado pela rede hoje, estima a Unica (União das Indústrias de Cana-de-Açúcar).

 

Em 2020, a geração para o SIN (Sistema Interligado Nacional) pelo setor foi equivalente a cerca de 5% do gasto nacional de energia, o que responde pelo consumo de 12 milhões de residências por um ano.

 

Para especialistas, trata-se de uma deficiência de aproveitamento no momento em que o setor elétrico causa preocupação. No começo do mês, uma nota técnica feita pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) apontou que os reservatórios de ao menos oito usinas hidrelétricas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste podem estar praticamente vazios até novembro.

 

No dia seguinte, a entidade mudou o tom do alerta, ressaltando que as medidas preventivas adotadas vão garantir o abastecimento de energia, mas a crise pela falta de chuvas assusta. Com a piora do cenário, o governo decidiu buscar usinas térmicas” a gás sem contrato para reforçar a capacidade de geração no país.

 

É preciso olhar além dessas opções, diz Zilmar Souza, gerente de Bioeletricidade da Unica. “A biomassa é uma fonte renovável e não intermitente. As energias eólica e solar são coirmãs e devem continuar agregando aos sistema, mas a diversificação dá mais estabilidade ao portfólio, e o melhor dos mundos seria agregar todas as renováveis.”

 

Ele ressalta que uma maior atenção para fontes como a bioeletricidade de cana poderia ser útil no momento atual e evitar o uso de fontes que encarecem a conta de luz.

 

“A gente pode contribuir mais para a rede, tirando mais palha do campo e gerindo melhor a energia dentro da usina. Estamos esperando uma sinalização mais clara do governo para nos planejarmos, já que, por ser uma geração extra, ela tem de ser liquidada no mercado de curto prazo”, diz.

 

Para estimular a produção, as empresas do setor pleiteiam no MME (Ministério de Minas e Energia) a formulação de leilões voltados tanto para a bioeletricidade quanto para o biogás.

 

No ano passado, a oferta de bioeletricidade para a rede pelo setor cresceu 1% em relação ao ano anterior, com um volume de 22.604 GWh. Sendo que 83% desse total foi ofertado no período seco, entre maio e novembro. A geração equivale a uma economia de 15% da água associada à energia máxima gerada nos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste/Centro-Oeste.

 

A estimativa da entidade é que a bioeletricidade pela cana em 2020 também tenha poupado a emissão de 6,3 milhões de toneladas de CO2.Apesar disso, a contribuição dessa fonte não tem tido um crescimento significativo nos últimos anos. Entre os problemas apontados para esse cenário estão a judicialização do Mercado de Curto Prazo, pela necessidade de recomposição de preços, e o endividamento de empresas do setor.

 

Outra fonte considerada subaproveitada é o biogás. Segundo a Abiogás, entidade do setor, o Brasil apresenta o maior potencial energético do mundo, com 43,2 bilhões de Nm³/ano.

 

Esse potencial de produção se encontra, sobretudo, nos resíduos do setor sucroenergético (48,9%), na proteína animal (29,8%), na produção agrícola (15,3%) e no saneamento (6%) e tem capacidade de suprir quase 40% da demanda nacional de energia elétrica ou substituir 70% do consumo de diesel.

 

“Existe uma geração espontânea pela decomposição de resíduos, de 120 milhões de m³ por dia, na área urbana e no campo, mas o país aproveita menos de 2% desse potencial, diz o vice-presidente da associação”, Gabriel Kropsch.

 

“O biogás está sendo produzido todo dia, a questão é fazer investimentos na captura e no aproveitamento dessa fonte. Com projetos consistentes, a velocidade de implementação é rápida, levando no máximo dois anos para que uma planta comece a dar resultado”, diz.

 

Ele ressalta que um dos gargalos para o setor é a falta de recursos, já que o investidor precisa levantar fundos próprios. “Em outras fontes, o investidor entra em um leilão e depois vai ao mercado levantar recursos; no biogás, ele tem de ter dinheiro. Como muitos dos equipamentos ainda são importados, também faltam incentivos.”

 

Em outubro do ano passado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participou da inauguração de uma unidade privada de biogás em Guariba (SP). Ela é a primeira em escala comercial a usar a conversão da torta de filtro e da vinhaça (subprodutos da indústria da cana) para gerar energia.

 

Segundo o MME, o potencial de produção de biogás no Brasil, somente a partir da vinhaça, pode atingir em 2030 até 45 milhões m³ por dia, o que corresponde a mais de duas vezes o volume médio de gás natural importado da Bolívia em 2019.

 

Na sexta (11), o MME afirmou que deve realizar uma licitação para fechar a compra da produção de usinas de geração de eletricidade movidas à biomassa. “A previsão é de que a portaria de consulta pública das diretrizes do leilão de contratação de biomassa seja publicada até o final deste mês”, disse a pasta, por meio de nota.

 

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