Para o executivo, é preciso reconhecer o valor que o biogás pode dar ao sistema energético, com as características específicas que o diferenciam das demais fontes
As condições ideais para o desenvolvimento do biogás e do biometano na matriz energética brasileira parecem finalmente estar dadas. O setor já começa a colher os primeiros frutos do RenovaBio, programa que visa expandir a produção de biocombustíveis no Brasil, pode surfar no Marco do Saneamento e a Nova Lei do Gás traz de maneira expressa a possibilidade da conexão dos produtores diretamente à malha de gasodutos de transporte, um importante passo para os produtores de biometano comercializarem sua produção.
O setor é visto como uma grande promessa e o mercado vem crescendo, mas ainda não deslanchou no Brasil a fim de ser uma fonte realmente importante na matriz. Aspectos como ser renovável não intermitente, gerar na base, no horário de ponta e no fim da linha e flexibilidade para geração de energia elétrica e combustível ainda são desprezados. A geração hoje de biogás é de 120 milhões de metros cúbicos por dia, porém menos de 2% disso é aproveitado no Brasil, segundo dados da Associação Brasileira do Biogás.
Aos poucos isso parece estar mudando e a fonte que antes só atraia poucos players específicos, hoje já chama atenção do consumidor final. Para entender melhor como o setor está virando o jogo e o que ainda falta para o biogás se tornar fundamental na matriz energética, a reportagem do Canal Energia conversou com Gabriel Kropsch, vice-presidente da Associação.
Agência CanalEnergia: O setor de biogás já sente os benefícios do RenovaBio, vê no Marco do Saneamento a possibilidade de um novo mercado e a Nova Lei do Gás amplia a infraestrutura e a competitividade. O que falta agora?
Gabriel Kropsch: É um caminho que o setor está trilhando para que o biogás seja uma fonte relevante em nossa matriz. Nenhum país vai depender mais totalmente de uma única fonte só, hoje os países, as indústrias e os grandes consumidores estão indo para a diversiØcação da matriz energética, cada uma com suas características de modo que elas se compensem para um sistema competitivo e confiável. Foi importante também o reconhecimento da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), Agência Nacional de Elétrica Elétrica (Aneel) e do Ministério de Minas e Energia e, considerar o biogás como uma fonte separada da biomassa.
Outro passo importante foi a especificação do biometano pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e mais recentemente o decreto que equiparou o biometano ao gás natural. Na esfera estadual, vários estados avançaram nas suas regulamentações. São Paulo e Rio de Janeiro avançaram bastante. O passo seguinte é o reconhecimento e precificação dos atributos do biogás.
Agência CanalEnergia: De quais atributos você fala especiØcamente em relação ao biogás?
Gabriel Kropsch: Entendemos que é preciso haver uma correta precificação das diversas fontes de energia. Ao não diferenciarmos as diferentes fontes de energia, acabamos privilegiando as com maior benefício de curto prazo. E a energia que tem melhor benefício de curto prazo é aquela que não considera as externalidades. Ou seja, se fosse só pelo preço, toda energia seria gerada a carvão, que é a mais barata.
Agência CanalEnergia: O mundo caminha para eletrificação e descarbonização, mas os sucessivos governos do Brasil foram tímidos em apostar no biogás. O que ainda falta do governo para estimular ainda mais a fonte?
Gabriel Kropsch: O maior incentivo que pode ser dado é o reconhecimento desses atributos do biogás no preço. O investidor não está tendo reconhecido o investimento em eficiência energética e impacto socioambiental. Isso não só desincentiva as fontes de energias mais modernas e eficientes e incentiva as fontes mais antigas, mais caras e mais sujas no longo prazo. Ou seja, falta a correta caracterização desses atributos. Dentro da composição do preço da energia, tem um peso se ela é despachável ou não, se é intermitente, se é armazenável e o impacto de carbono. A precificação dos atributos visa dar um peso a cada um desses elementos e cada fonte vai se enquadrar.
Agência CanalEnergia: E quem vai precificar isso?
Gabriel Kropsch: O mercado. Mas de forma que isso esteja claro aos geradores, consumidores e todos os envolvidos qual é o valor desses atributos. Havendo precificação dos atributos, não temos dúvidas da competitividade do biogás. Não precisa de subsídio e de nada que vá impor à sociedade um custo maior do que o benefício que ela está tendo.
Agência CanalEnergia: A ABiogás com outros parceiros mapeou ano passado de 69 novas usinas e está projetando um crescimento de 30% para 2021. Fale um pouco dessa projeção.
Gabriel Kropsch: Essa é uma parceria da ABiogás com o Centro Internacional de Energias Renováveis-Biogás (CIBiogás) que resultou no BiogasMap. São pequenas plantas já operando e outros sete grandes empreendimentos que saíram no ano passado.Hoje a geração de biogás é de 120 milhões de metros cúbicos anuais, mas menos de 2% disso é aproveitado. Isso equivale a 166 terawatt-hora (TWh), que seria quase 35% da demanda total de energia elétrica do Brasil.
Agência CanalEnergia: Enfrentamos uma grande crise hídrica, a pior dos últimos 91 anos. Acredita que o biogás poderá ser olhado como uma fonte para trazer segurança em momentos como esse?
Gabriel Kropsch: Um dos atributos mais importantes do biogás é a armazenabilidade. Essa crise hídrica é preocupante. Depois vem a mudança de bandeira tarifária, térmica emergencial e nós já vimos esse Ølme algumas vezes. Os números do Produto Interno Bruto (PIB), que são uma boa notícia, apesar da crise, mostra que alguns setores já conseguem reagir, mas sem energia não tem crescimento. Não temos como fugir dessa correlação histórica entre PIB e demanda de energia. Como vamos sustentar esse crescimento tão necessário para que essa riqueza volte para a sociedade sem energia? Ou vai ser mais um voo de galinha? Não falta interesse do investidor, mas ele precisa de condições básicas, segurança jurídica e da correta precificação daquilo que ele está gerando.
Agência CanalEnergia: A Associação faz seminários técnicos e fóruns com objetivo de esclarecer as vantagens. A Associação pensa na criação de um novo Plano Nacional do Biogás e Biometano com a nova realidade?
Gabriel Kropsch: O plano é um documento vivo que está sempre sendo revisado e atualizado. Sempre que sai uma versão nova a gente divulga. O trabalho que foi feito neste Roadmap não mudou muito, porque a visão que tivemos no passado dessa oportunidade de aproveitamento econômico não mudou nada. É uma visão que
continua válida.
Agência CanalEnergia: Como você avalia o setor de biogás e biometano nos últimos anos?
Gabriel Kropsch: Estamos com quase 80 associados de todos os elos da cadeia do biogás. Desde o gerador até o fabricante de equipamentos e purificadores. De alguns meses pra cá, está havendo um interesse muito grande de consumidores corporativos finais, como grandes indústrias. Muitas estão entrando para a associação. São da área de bens de consumo, cosméticos, alimentos e bebidas e que têm uma dependência forte da logística e estão buscando um transporte mais sustentável. O foco principal é o biometano como substituto do óleo diesel nas frotas de transporte pesado.