Para o Brasil atingir a produção de 30 milhões de m3 diários de biogás até 2030 serão necessários investimentos de R$ 5 bilhões por ano, calcula a ABiogás. O presidente da associação, Alessandro Gardemann, reforça que há disponibilidade de recursos – sobretudo após o pacto de redução de 30% das emissões de metano também até 2030, assinado na COP26 por cerca de 100 países, inclusive o Brasil.
Mas, por que investir em biogás? Para responder a essa pergunta, o VIII Fórum do Biogás, realizado em 25 de novembro, reuniu quatro especialistas em um painel homônimo. Afinal, como Gardemann e outros palestrantes do evento deixaram claro, o biogás é hoje um combustível do presente, tanto por seu vasto potencial no país como por seus benefícios econômicos e socioambientais, capazes, inclusive, de gerar créditos de carbono. Como, então, deslanchar projetos que podem ser cruciais para a descarbonização da matriz energética nacional?
Um dos principais gargalos para a expansão do energético – as garantias para obtenção de financiamento – parece estar com os dias contados. Esse nó deverá ser desatado pelo Fundo Garantidor do Biogás (GFB), que pode, inclusive, facilitar a obtenção de recursos do Fundo Clima, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Proposto pela ABiogás, o fundo vem sendo desenvolvido em parceria com o Laboratório Global de Inovação em Finanças Climáticas (LAB), coordenado pela Climate Policy Initiative (CPI) e que reúne mais de 70 instituições de todo o planeta. Já foi identificado um portfólio de 16 projetos no país, que demandarão R$ 300 milhões em recursos. Mas há espaço para mais, contou Felipe Borschiver, consultor do Brasil LAB.
“É inovador, já que se trata do primeiro fundo garantidor de biogás do mundo e do primeiro fundo garantidor ambiental privado do Brasil. Acreditamos que ele estará operacional até setembro do próximo ano. No momento, estamos selecionando a instituição financeira que fará a gestão do fundo. A ABiogás será a responsável técnica, ou seja, vai certificar os projetos a serem beneficiados, coordenando também os parâmetros ambientais”, explicou.
Com duração de dez anos, o GFB vai focar na fase de construção dos projetos, amparando empreendedores que não têm garantias, ou que já tenham garantias travadas em outros projetos, como ocorre bastante no setor agropecuário. Seus recursos virão de investidores concessionais, ligados ao tema do clima e que normalmente exigem taxas de retorno menores ou estão dispostos a tomar maiores riscos, e também comerciais. O fundo vai ser criado como CVM renda fixa simples e terá como garantia suas quotas, que vão ser registradas na B3 em favor dos credores das operações. A ABiogás será o agente certificador do fundo para os projetos beneficiados.
Quanto a uma possível resistência aos investimentos em biogás, sobretudo numa comparação com outras fontes renováveis consideradas mais “limpas”, como a eólica e a solar, Borschiver acredita que a indústria precisa destacar a avaliação do ciclo de vida do energético para mostrar que suas emissões são menores. Esse ponto já vem modificando a visão de investidores.
“O setor de biogás ainda está iniciando sua jornada. Há segmentos mais bem preparados, como o de energia solar e de agricultura sustentável, que estão mais bem preparados. Por isso a indústria do biogás precisa se estruturar para rebater possíveis críticas ambientais. Investidores europeus, por exemplo, tinham reticências com o energético, mas isso está caindo por terra”, disse o consultor.
GFB abre as portas do Fundo Clima
O Fundo Clima é atualmente a principal ferramenta da qual o BNDES dispõe para financiar o setor de biogás, mas a obtenção de recursos é dificultada pelas garantias exigidas. Esse cenário, porém, tende a mudar com o GFB, segundo o gerente da Área de Gestão Pública e Socioambiental do banco, Raphael Stein.
Stein explicou que o BNDES sempre pede dois tipos de garantia: da empresa, ou seja, seu histórico e sua capacidade de endividamento, e a garantia real, que pode ser feita com imóveis, equipamentos, recebíveis. Há empresas que estão começando a atuar no setor de biogás e, portanto, não têm histórico. Outras pretendem atuar no mercado livre de energia e, assim, também não têm como oferecer contratos cujos prazos são menores que os do financiamento. Com o Fundo Garantidor do Biogás, as duas contas fecham.
“Muitas empresas estão começando a atuar no setor de biogás, e isso gera um gargalo na obtenção de recursos, já que não dispõem de operações anteriores. Com o fundo e o aval da ABiogás como garantidor, esse obstáculo desaparece. O mesmo vale para quem não consegue ter um contrato de venda de energia compatível com o prazo do financiamento. Novamente aqui entra o fundo garantidor para destravar esse ponto”, detalhou o gerente do BNDES.
Além do acesso, o GFB também pode ser crucial para reduzir ainda mais a taxa de juros cobrada pelo BNDES no Fundo Clima, que já é a mais baixa do banco. O BNDES cobra 1% ao ano de custo financeiro e mais 0,9% de remuneração básica do banco. Já o risco de crédito varia de 0,5% a 3% ao ano e depende da empresa que está tomando os recursos.
“Mas, com o fundo garantidor, não vamos focar no risco de crédito da empresa, e sim o risco do fundo, que já tem os recursos para dar esse aval. Isso reduz bastante a taxa. Nossa estimativa inicial é que não passe de 1%. Então, acreditamos que a taxa final para quem tomar recursos pelo Fundo Clima, com o fundo garantidor, fique abaixo de 3% ao ano. E é uma taxa fixa, durante o período do financiamento. Conseguimos financiar o biogás abaixo da inflação”, detalhou Stein.
Outra vantagem é que o financiamento do Fundo Clima inclui o ciclo completo de produção de biogás e biometano. Isso significa que os projetos podem incluir desde a geração de biogás, passando por sua purificação em biometano e chegando a termelétricas e mesmo linhas de transmissão para a energia gerada.
Desde 2011, o Fundo Clima já financiou mais de R$ 880 milhões em projetos, alavancando investimentos que chegam a quase R$ 2 bilhões. Das mais de 1.000 operações financiadas, cerca de 800 se destinaram a geração distribuída de energia elétrica. O valor mínimo de financiamento é de R$ 10 milhões, chegando a um máximo de R$ 80 milhões.
Créditos de carbono e inclusão social
Além da geração de energia elétrica e da substituição do óleo diesel no setor de transportes, o investimento em biogás e biometano pode render mais uma fonte de recursos: o mercado de carbono. É o que aponta Talita Martins, consultora especialista em sustentabilidade da Bureau Veritas Brasil. A possibilidade aumentou com a regulamentação do Artigo 6º do Acordo de Paris na COP26 e a iminente aprovação do projeto de lei que cria o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE).
“Além de ajudar no fortalecimento da marca e da reputação, o biogás contribui com o avanço e o desenvolvimento das comunidades locais e também na diminuição dos custos, por se tratar de uma fonte geradora de energia, não apenas para o próprio negócio, mas para a comercialização de excedentes. Além disso, é uma opção para geração de crédito de carbono”, explicou ela.
O Programa de Energia para o Brasil (BEP), criado pelo governo do Reino Unido no início de 2020 para apoiar o Brasil na transição energética, fez um levantamento das emissões de CO2 equivalente evitadas com a instalação em curto prazo – entre três e cinco anos – de 11 bilhões de Nm3 de biogás anuais no país, a partir de três setores: pecuária, indústria (notadamente o segmento sucroalcooleiro) e saneamento. E os números impressionam, não apenas pelo volume evitado, mas pelas possibilidades de geração de créditos.
Segundo Leidiane Ferronato Mariani, líder de Aproveitamento Energético de Resíduos do BEP, o potencial de produção de biogás no curto prazo projetado pelo programa evitaria a emissão de 45 milhões de toneladas de CO2eq a cada ano. Isso representa uma capacidade de descarbonização de 11% da matriz energética brasileira em relação às emissões de 2019, que somaram 413 milhões de toneladas de CO2eq. O levantamento foi feito a partir de mais de 15 avaliações de ciclo de vida, com plantas instaladas.
Para Leidiane, além dos benefícios financeiros, o biogás e o biometano têm um objetivo ainda maior: promover o desenvolvimento de comunidades e a inclusão social. “Um dos objetivos do BEP é fazer com que o biogás pode ser um vetor de desenvolvimento econômico, mas também de equidade, de diversidade, de inclusão social. Não podemos focar apenas em dinheiro, energia e carbono. Precisamos olhar todos os benefícios e atributos. Convertemos em números para provar que o biogás precisa, sim, de investimentos para contribuir com a descarbonização da economia brasileira. Mas o biogás pode gerar energia, desenvolvimento regional distribuído, inclusão social, equidade de gênero, ganhos econômicos, criação de cadeia de valor mais distribuída.”
Alessandro Gardemann, da ABiogás, acredita que a inserção do biogás e do biometano na matriz energética brasileira vai aumentar a passos largos.
“A transição energética deve ser feita com calma, mas, e se o consumidor não quiser mais o combustível fóssil? Se o gás natural é o combustível da transição, o biometano é o destino. E com a escala que temos no Brasil, podemos entregar esse destino hoje. A crise elétrica é séria. Seus ciclos vêm sendo reduzidos com o passar do tempo. Precisamos entregar energia despachável, armazenável, de carbono neutro. Temos no biogás um mercado gigantesco, e integrado com a solução dos combustíveis fósseis.”
Leia aqui um balanço de todos os painéis do VIII Fórum do Biogás