Frente da Energia Renovável quer criar conselho com entidades setoriais
Em meados de março, foi lançada a Frente Parlamentar de Energia Renovável (FER). Presidida pelo deputado federal, Danilo Forte (PSDB/CE), a frente “nasce para dar suporte às energias eólica, solar, hidrelétrica e outras destinadas a substituir os combustíveis fósseis, que emitem carbono e contribuem para as mudanças climáticas”, disse ele, em artigo.
A FER tem o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania/SP) como vice-presidente. Jardim é conhecido por atuar em outras frentes parlamentares da Câmara dos Deputados que lidam com fontes renováveis de energia, como o etanol. E tem entre seus projetos de lei uma proposta de precificação do carbono.
Em entrevista à ABiogás News, o deputado federal falou um pouco dos planos da FER em curto, médio e longo prazos. Defendendo que o Brasil será um dos líderes mundiais da economia verde, Jardim acredita que a pandemia vai acelerar a consolidação das renováveis na matriz energética brasileira. E disse ainda que a Frente pretende criar um conselho formado por entidades setoriais do setor de energias renováveis para atuar em conjunto com a FER.
“A participação das entidades setoriais é fundamental. Tenho discutido com o presidente Danilo Forte a necessidade de termos, inclusive, um conselho funcionando junto à Frente que integre essas entidades.”
ABiogás News: Quais são os principais propósitos da Frente Parlamentar da Energia Renovável?
Arnaldo Jardim: O Brasil fez uma escolha, por leis aprovadas e um modelo que está sendo construído, no sentido de manter a sua matriz energética limpa, e nós já temos uma matriz das mais limpas do mundo, e persistir, desde a implantação do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), no fomento das energias renováveis. E a Frente Parlamentar vem para continuar esta vocação.
Quantos parlamentares integram a frente? Todos os partidos com representantes na Câmara estão representados?
Apesar das dificuldades causadas pela pandemia, temos um número imenso de deputados que aderiram à frente, dos mais variados partidos, de todas as regiões do país e de todas as conformações políticas e ideológicas. Temos parlamentares mais próximos do governo e de oposição, dando um sentido importante de união em torno do ideário da frente, que é fomentar as fontes renováveis de energia.
O que irá diferenciar a FER de outras iniciativas similares já feitas na Câmara em defesa de fontes renováveis de energia?
Realmente há diferentes frentes na Câmara dos Deputados que atuam em sentido assemelhado. Temos a Frente do Biodiesel, eu próprio coordeno a Frente do Setor Sucroenergético, que trata do etanol. A ideia, portanto, é que essas frentes atuem de forma sintonizada, sincronizada, mas o espírito que animou o (deputado) Danilo Forte (presidente da FER) e todos os deputados que integram a diretoria é de que a Frente das Energias Renováveis possa ser um polo aglutinador e fazer com que essas frentes possam atuar de forma conjunta.
Quais são as primeiras iniciativas/ações que já estão na pauta da Frente? Há um cronograma de estabelecimento de pautas e ações já determinado? Se sim, o que está previsto?
Temos várias discussões em tramitação hoje no Parlamento, leis, projetos que incidem diretamente nas energias renováveis. No âmbito do Executivo há políticas públicas que vão nesse sentido. Temos implicações muito importantes, por exemplo, da ANP. Poucos sabem que, além do petróleo, essa agência reguladora também trata dos biocombustíveis, portanto, de energias renováveis.
A FER está construindo a sua pauta, definindo ainda suas prioridades, mas a ideia é acompanhar projetos que já tramitam, estimular a apresentação de novos projetos em energias renováveis e acompanhar políticas públicas, tanto do Executivo quanto de agências reguladoras, que acabam implicando de forma significativa o desenvolvimento das energias renováveis.
Está prevista alguma forma de participação das associações de energias renováveis nas discussões da FER?
A participação das entidades setoriais é fundamental. Tenho discutido com o presidente Danilo Forte a necessidade de termos, inclusive, um conselho funcionando junto à Frente que integre essas entidades. São associações de segmentos distintos, e nós precisamos, respeitando as características de cada uma delas, buscar aquilo que é comum, evitando qualquer tipo de conflito entre as diferentes fontes renováveis. Nosso objetivo é harmonizar esses interesses. Por isso, temos a ideia de criar esse conselho setorial que atue conjuntamente com a diretoria da Frente.
Como a Frente pretende se posicionar diante de temas caros aos diversos segmentos de energias renováveis, como o RenovaBio, a Modernização do Setor Elétrico e as mudanças nas regras para a micro e a mini geração distribuída?
Vamos buscar ter posições sobre todos os temas. Alguns temas são absolutamente consensuais, e o RenovaBio é um deles, assim como a modernização do setor elétrico. Talvez o debate em torno da micro e mini geração distribuída oponha alguns segmentos, mas nosso objetivo é buscar consenso e, quando necessário, optar por uma linha de apoio e atuação. Mas, claro, sempre tentando harmonizar os interesses dos diversos segmentos, em busca de uma bandeira muito maior, que é fazer com que o Brasil possa se consolidar como a vanguarda da nova economia, da economia verde, de baixo carbono.
Uma questão sempre delicada que envolve as fontes renováveis é a necessidade de incentivos ou políticas públicas para seu desenvolvimento. Os exemplos mais recentes disso são as fontes solar e eólica, que atingiram competitividade após esses estímulos. Como a FER avalia o uso de incentivos às fontes renováveis nos próximos anos?
Não vamos fazer a discussão com um olhar de “subsídios”, mas sim sempre queremos ter incentivos às fontes renováveis. E o que são esses incentivos? São linhas de crédito, aspectos tributários a serem revistos. Vamos sair dessa discussão de “subsídio”.
E devemos ter certeza absoluta de que há um conceito na economia que precisamos incorporar, seja para renováveis ou para o debate geral de políticas públicas no Brasil, que é conceito de externalidades. Quando você escolhe um caminho, uma solução, não se deve ter uma visão estrita de custo do momento da geração da energia. Deve-se ter uma discussão abrangente dos impactos econômicos e sociais dessa fonte.
Quando, por exemplo, você tem o efeito, que é mensurável e monetizável, do etanol nas grandes metrópoles brasileiras, você não pode escolher o debate em torno do etanol apenas analisando o seu custo. Temos de ter uma visão abrangente. E incorporar o conceito de externalidades na definição de escolhas é um caminho muito importante, porque ele vai consolidar essa opção pela nova economia verde, na qual as energias renováveis são estratégicas.
Como a FER pretende se posicionar quanto aos incentivos existentes para as fontes fósseis?
Sou autor de um projeto (Projeto de Lei Complementar 559/2018) que caminha no sentido de fazer a precificação do carbono, ou de taxação do carbono. É uma tendência que vemos em outras economias do mundo, e nesse pós-pandemia, a opção pela sustentabilidade, que já vinha ocorrendo, vem ainda mais forte e desenvolvida. Acredito que a tese de taxação do carbono, que já existe em outros países, deve ser debatida por nós. Não posso falar em nome da frente, mas defendo esse caminho.
Entre as discussões em andamento no setor está a da necessidade de criação de mecanismos para valorização de benefícios ambientais das fontes energéticas. Como pretendem trabalhar essa pauta?
O conceito de externalidades já englobaria isso, mas quero dar um passo adiante. Mencionamos o RenovaBio, que produziu o CBIO (Crédito de Descarbonização), uma moeda sofisticada do ponto de sua vista de sua formulação, e com critérios muito objetivos. Não há nada de achismo. A Embrapa, outras entidades, com tudo homologado pela ANP, acabaram estabelecendo um método de cálculo, o RenovaCalc. Temos, portanto, uma moeda verde já em implantação, bem sucedida, transacionada no Brasil, que são os CBIOs.
Li um artigo do ex-ministro da economia e ex-presidente do BNDES, Joaquim Levy, intitulado “CBIOs no caminho para Glasgow” (referência à COP-26, na capital da Escócia, em novembro deste ano). Acho que esse caminho é muito promissor, estamos focados agora na discussão das chamadas “moedas verdes”, que serão uma forma de monetizar e mensurar todo o conceito envolvido em torno das energias renováveis e da sustentabilidade.
Entre as prioridades da FER que já foram divulgadas estão a geração de energia por meio da exploração de hidrogênio e pequenas centrais hidrelétricas. Particularmente em relação ao setor de biogás e biometano e do aproveitamento energético de resíduos, o que a Frente incluirá na sua pauta?
O biogás tem uma função estratégica no Brasil. Festejo muito o avanço de regulação e normatização que já tivemos no estado de São Paulo, quando a Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) regulamentou a introdução do biometano nas redes de gás canalizado. Acompanhei esse debate muito de perto lá, e faremos isso nacionalmente.
Temos fontes fantásticas de geração de biogás e biometano. Toda a produção de suínos e aves gera um potencial extraordinário para essa fonte. Temos a vinhaça, subproduto da produção de açúcar e etanol. Tivemos recentemente convênios, como um com o setor de citricultura, para produzir biogás a partir dos resíduos da extração do suco de laranja. E ainda temos a possibilidade do biogás e do biometano a partir dos aterros sanitários.
Enfim, são fontes fantásticas, de volume significativo, já equilibrado do ponto de vista econômico, e queremos ampliá-las. Defendo que o Ministério de Minas e Energia acelere o processo de contratação de fornecimento de energia elétrica à base de biogás oriundo de resíduos sólidos. É muito importante que tenhamos o aproveitamento energético dos resíduos sólidos, e que isso seja considerado como uma das fontes importantes de energia renovável.
Quais são hoje os principais desafios que o sr. enxerga no pleno desenvolvimento das fontes renováveis no Brasil? Que barreiras ainda precisam ser eliminadas para aproveitarmos nosso potencial, e onde (em que fontes) o sr. mais vê esse potencial a ser aproveitado?
Essa declaração é mais do que uma declaração de fé. Era uma declaração de fé quando falávamos que as fontes renováveis eram fontes “alternativas”. O Proinfa tem isso em seu nome. E hoje elas não são mais alternativas. Esse termo tinha uma conotação experimental. Hoje estamos falando de projetos estruturados, fontes consistentes.
Temos não apenas essas fontes com participação significativa em nossa matriz energética, mas também toda uma indústria constituída a partir dessas fontes. Temos equipamentos, temos uma cultura regulatória estabelecida e desenvolvida. As resoluções da Aneel, que tem sido extremamente proativa, são muito acolhedoras a essas fontes. Então, sou um entusiasta. O Brasil dará lições ao mundo, e a Frente Parlamentar das Energias Renováveis terá um papel de liderança muito importante para que isso ocorra.