Anos eleitorais são rotineiramente mais movimentados no Brasil, mas 2022 começou particularmente agitado no setor energético. Distribuidoras de gás natural entraram na Justiça para impedir o reajuste de 50% dos valores cobrados pela Petrobras pelo energético. E o aumento de gasolina, de 4,9%, e óleo diesel, de 8,1%, anunciado pela petroleira em suas refinarias em 12 de janeiro, acirrou a troca de acusações entre os governos federal e estaduais e a Petrobras pela responsabilidade dos sucessivos reajustes dos combustíveis. A ponto de fazer o presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) para permitir a redução de impostos cobrados sobre os combustíveis (saiba mais na seção “ABiogás em Brasília”).
No crescente imbróglio envolvendo oferta de energéticos, cotação do dólar, flutuações de preços de petróleo e seus derivados no mercado internacional e descarbonização da economia, o biogás e o biometano vêm deixando de ser uma alternativa restrita para cada vez mais se tornar uma solução viável em curto prazo – e também necessária. Com produção descentralizada, podem suprir demandas por energia elétrica e uso veicular e em transportes em qualquer canto do país. Gerados no Brasil, a partir de “matéria-prima” nacional – resíduos de segmentos econômicos e populacionais –, estão imunes ao câmbio e às commodities, o que dá previsibilidade a seus preços e garantia de oferta firme, sem depender de importações. E com o crescente desenvolvimento de uma indústria nacional de fornecedores de bens e serviços, os custos de instalação de plantas de biogás e biometano vêm decrescendo sistematicamente.
Além disso, volumes não faltarão para que o biogás e o biometano se tornem o “fiel da balança” na matriz energética brasileira. O mais recente levantamento do potencial de produção de biogás no Brasil feito pela ABiogás aponta um volume de 121 milhões de Nm3 diários do energético, considerando apenas quatro setores econômicos – sucroenergético, proteína animal, produção agrícola e saneamento. A título de comparação, a produção de gás natural de origem fóssil no Brasil totalizou 137 milhões de m3/dia em novembro passado, de acordo com o Boletim da Produção de Petróleo e Gás Natural, divulgado mensalmente pela ANP.
Considerando seu uso apenas no setor de transportes – caminhões e ônibus –, essa quantidade de biogás seria suficiente para substituir 70% do consumo de óleo diesel no país. Sem contar que o uso do biometano no lugar do diesel pode reduzir em 96% as emissões de CO2, segundo a calculadora do RenovaBio.
“O biometano gera uma economia entre 20% e 30% em relação ao gasto com óleo diesel. E não podemos nos esquecer de que o Brasil ainda importa cerca de 30% do seu consumo de diesel. O petróleo do tipo Brent, referência no mercado global, atingiu US$ 90 o barril no fim de janeiro, e analistas já trabalham com a possibilidade de atingir US$ 100 ainda este ano. Obviamente isso vai impactar os preços pagos pelo diesel comprado no exterior e, por consequência, nas bombas dos postos brasileiros. A conversão da frota de veículos pesados para uso de gás natural veicular e biometano seria, portanto, uma forma de livrar o mercado brasileiro de combustíveis da volatilidade do mercado internacional. Além, claro, dos ganhos ambientais”, explica o vice-presidente da ABiogás, Gabriel Kropsch.
Outro benefício se daria na própria precificação do gás natural consumido no Brasil. Mesmo quando fornece gás de origem fóssil produzido no país, a Petrobras, que continua dominando o fornecimento desse energético em território nacional, utiliza fórmulas que levam em consideração os preços do gás natural liquefeito (GNL) no mercado internacional. Recentemente, uma crise de oferta na Europa fez os preços desse produto dispararem. Isso fez com que a petroleira reajustasse em até 50% as tarifas que cobra de distribuidoras de gás canalizado. E algumas delas, como a Cegás, do Ceará, a Algás, de Alagoas, e a Sergás, de Sergipe, conseguiram liminares na Justiça impedindo o reajuste.
Com o biometano, o mecanismo de precificação não levaria em conta parâmetros do mercado externo. A própria Cegás já compra o bioenergético produzido pela GNR Fortaleza no aterro sanitário de Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza, e o injeta em sua rede. A produção do biometano é local e transforma lixo em energia. Se ampliada, poderia garantir mais oferta à concessionária – que abriu recentemente uma chamada pública para contratar gás natural para seu mercado consumidor.
Descarbonização, COP-26 e metano
A urgência da expansão da oferta de biogás e biometano no país vai além dos ganhos econômicos e de oferta que esses energéticos podem trazer ao mercado brasileiro. Trata-se, também, de um importante passo para a descarbonização da economia nacional – vide o exemplo do óleo diesel – e o cumprimento de metas de redução de emissões estabelecidas pelo país. Além disso, torna-se peça importante no compromisso global de redução de 30% das emissões de metano até 2030.
Durante a COP-26, realizada em novembro passado em Glasgow, na Escócia, o Brasil foi um dos 103 países que aderiu ao esforço liderado pelos Estados Unidos e pela União Europeia para reduzir as emissões de metano. O gás tem um poder 23 vezes maior que o CO2 de causar o efeito estufa, embora sua durabilidade na atmosfera seja menor que a do dióxido de carbono.
Vale lembrar que as primeiras iniciativas de geração e aproveitamento de biogás e biometano no país se deram a partir de resíduos sólidos urbanos (RSU) de aterros sanitários e de resíduos do setor agropecuário. Materiais que, naturalmente, em seu processo de decomposição, geravam metano, que era liberado para a atmosfera.
Ainda que no Brasil um dos setores com maiores emissões de metano seja o da pecuária, não se pode ignorar a produção desse gás a partir da decomposição de dejetos agrícolas e humanos. No caso dos RSU, por exemplo, a geração de resíduos foi de 82,4 milhões de toneladas em 2020, segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Desse total, 76,1 milhões de toneladas foram coletadas. Mas 30,3 milhões de toneladas tiveram disposição final adequada. Considerando que cerca de 50% dos RSU são formados por fração orgânica, cerca de 15 milhões de toneladas de resíduos estão gerando metano livremente.
“A equação é bem simples. O biogás e o biometano podem garantir energia de qualidade, em qualquer lugar do país, já que basta haver resíduo em quantidade suficiente para sua produção. A preços previsíveis, sem sobressaltos relacionados ao dólar ou ao mercado internacional. Com redução de emissões de gases de efeito estufa. E ainda resolvendo problemas sociais crônicos do Brasil, já que pode ser obtido por meio do correto tratamento do esgoto e também dos resíduos urbanos. O que falta, portanto, é vontade política para estimular sua produção, com políticas públicas e legislações que reconheçam todos esses benefícios e tragam a correta avaliação do ciclo de vida das variadas fontes renováveis de energia”, finaliza Alessandro Gardemann, presidente da ABiogás.