Biometano ganha espaço nos processos produtivos e nos transportes
Em meados de setembro, a Raízen anunciou a sua primeira venda de longo prazo de biometano. O contrato, de cinco anos, foi fechado com a Yara Brasil, uma das maiores produtoras mundiais de fertilizantes. O contrato prevê o fornecimento, a partir de 2023, de 20 mil m3 diários de gás natural renovável. O bioenergético vai ser usado pela Yara para a produção de amônia verde. Será a primeira vez que a companhia de origem norueguesa irá produzir amônia verde a partir do biometano em toda a sua operação global. No Brasil, será a primeira produção de amônia verde.
O volume de biometano, a ser fornecido pela Raízen por meio da rede da Comgás, uma das distribuidoras de gás canalizado de São Paulo, supre apenas 3% da demanda de gás natural da planta de amônia da Yara em Cubatão (SP). Contudo, mais que números, a substituição mostra que o mercado brasileiro está atento aos benefícios ambientais, econômicos e sociais que o biometano pode trazer às suas matrizes energéticas. A demanda por biogás e biometano será, inclusive, tema do painel “Por que investir no biogás?” da oitava edição do Fórum do Biogás, quer vai acontecer em 25 de novembro, em São Paulo, e com transmissão online para inscritos.
“A incorporação dessa matéria-prima no processo produtivo é uma manifestação concreta dos esforços da Yara no Brasil em promover a descarbonização das suas plantas”, explica Daniel Hubner, vice-presidente de Soluções Industriais da Yara (veja entrevista com Daniel Hubner abaixo). Além de dar à empresa a possibilidade de iniciar a produção de amônia verde no Brasil, o biometano, em substituição gradativa do gás natural fóssil, poderá reduzir cerca de 80% das emissões da companhia. E segundo Hubner, o complexo de Cubatão já está pronto para trabalhar com o bioenergético.
Assim, se o gás natural renovável já vinha ganhando espaço no transporte de cargas, com a oferta de caminhões a GNV, GNL e biometano no país a partir de 2019 pela Scania, hoje surgem mais projetos de aplicação do energético em processos produtivos. Além da Yara, a fabricante de vidros Wheaton anunciou a substituição de parte do gás natural fóssil que usa em seus fornos por biometano, a ser fornecido pela Zeg a partir de sua planta no aterro sanitário de Sapopemba, em São Paulo (veja mais detalhes e outros projetos abaixo). E mesmo quem atua no setor de transporte quer investir na produção de biometano – caso da Reiter Log, que fechou acordo com a Geo Energética.
“O biometano pode substituir cerca de 70% do óleo diesel consumido no Brasil. O diesel é um combustível fóssil, poluente, e o Brasil ainda precisa importar um volume expressivo desse derivado, por não conseguir produzir toda a necessidade do mercado. Além disso, quando falamos do gás natural e dos combustíveis de origem fóssil, estamos falando de produtos com preços internacionalizados, que estão à mercê da cotação do petróleo e do dólar. Vejam o que está acontecendo com os combustíveis, que vêm sofrendo reajustes sucessivos. Com o biogás e o biometano esse problema desaparece. É um produto oriundo de matéria-prima totalmente nacional, resíduos produzidos no país, e que está protegido de qualquer variação do petróleo e do dólar”, detalha o vice-presidente da ABiogás, Gabriel Kropsch.
Outro problema que o biometano pode resolver diz respeito ao suprimento, seja para o setor de cargas, seja para indústrias que já usam ou querem utilizar gás em seus processos. Afinal, apesar da grande oferta de gás natural fóssil a partir do pré-sal brasileiro – que está concentrado na costa da Região Sudeste –, há imensos gargalos de infraestrutura para escoar esse energético, tanto para a terra como para o interior do país. E isso se traduz em investimentos altíssimos.
“Mesmo com o investimento requerido em plantas de purificação de biogás para sua conversão em biometano, nada se compara ao que será necessário para expandir a infraestrutura de gasodutos para levar gás natural fóssil para o interior do país. Então, além de um energético com preço nacionalizado, imune à volatilidade internacional, o biometano pode ser produzido localmente, sem precisar de grandes redes para seu transporte, e garantindo o abastecimento de mercados regionais. Por essa facilidade, o bioenergético é a solução para garantir energia elétrica firme e despachável e também gás para transporte e produção industrial em qualquer canto do país. Onde houver resíduo de biomassa haverá biogás e biometano”, sentencia Kropsch.
A oferta do bioenergético também é destacada por Hubner, da Yara. Segundo ele, uma das principais vantagens do biometano é o potencial de produção que o Brasil apresenta. Pelo fato de o país estar entre as maiores potências agropecuárias do mundo, há uma enorme quantidade de resíduos orgânicos com potencial de geração de valor.
OUTROS INVESTIMENTOS RECENTES EM PROJETOS A BIOMETANO
LIANE
Produtora de biscoitos e massas, a Liane fechou um contrato com a GasBrasiliano, distribuidora de gás canalizado do noroeste paulista, para receber biometano. O início do fornecimento está previsto para julho de 2022. O biometano será produzido pela usina Cocal, em Narandiba (SP). Cocal e GasBrasiliano respondem pela construção do primeiro sistema exclusivo de biometano do país – o projeto “Cidades Sustentáveis”, um investimento de R$ 180 milhões.
ADECOAGRO
Produtora de açúcar e etanol e com atuação diversificada no agronegócio na América Latina, a Adecoagro começou a injetar em alguns veículos biometano produzido em sua planta de biogás, em Ivinhema (MS). Três caminhões, sete veículos leves e três utilitários da companhia já passaram pela conversão para GNV e consumirão o biometano produzido na unidade – que recebeu R$ 30 milhões para purificar o biogás e convertê-lo em biometano.
REITER LOG
A transportadora Reiter Log comprou 124 caminhões Scania a GNV e biometano, um investimento de mais de R$ 100 milhões. Com isso, a Reiter Log passa a ter uma das maiores frotas desse tipo do país. Conforme o cronograma previsto, as primeiras entregas ocorrerão no último trimestre deste ano. Conjuntamente, a Reiter Log também fechou acordo com a GEO Energética para produzir biometano para abastecer seus caminhões.
WHEATON
Fabricante de embalagens de vidro para o segmento de perfumaria e cosméticos, a Wheaton fechou parceria com a Zeg para utilizar biometano em substituição à parte do gás natural usado em fornos. O biometano vai substituir inicialmente 10% do gás natural usado no processo produtivo em São Bernardo do Campo (SP), num volume inicial de 10,5 mil m3 diários. Futuramente, esse percentual deverá ser ampliado a 30% de substituição
MERCADO LIVRE
O Mercado Livre anunciou a aquisição de 46 caminhões movidos a GNV/biometano. As primeiras oito unidades começaram a fazer entregas no fim de junho. Os novos modelos vão atender principalmente às regiões Sul e Sudeste. A capacidade de toda a frota é de entregar 230 mil pacotes individuais por dia.
B2W
A B2W Digital, dona das marcas Americanas, Submarino, Shoptime e Sou Barato, comprou dez caminhões a GNV/biometano da Scania. A B2W já anunciou planos de ampliar sua frota de caminhões a gás conforme houver mais postos oferecendo GNV e biometano, sobretudo em outras regiões do país além do Sudeste, onde as novas unidades a gás adquiridas concentram suas atividades.
CHARRUA GÁS
A transportadora de gás natural em caminhões Charrua Gás decidiu usar somente o combustível que transporta em 100% de sua frota. Após testes de seis meses, a empresa encomendou mais seis caminhões movidos a GNV/biometano. Estão nos planos comprar mais unidades para a Transportadora Arco, integrante do mesmo grupo da Charrua.
VIBRA E ZEG
Pelo lado da oferta, a Vibra (ex-BR Distribuidora) fechou com a ZEG Biogás e Energia um acordo de cooperação para o desenvolvimento conjunto do mercado de biometano, para a fabricação do combustível a partir de resíduos da produção de etanol. A Vibra quer utilizar sua capacidade comercial para acelerar a produção de biometano nas mais de 300 usinas de etanol dos 60 grupos industriais com os quais se relaciona.
“O biometano é a base para uma economia circular”
O contrato fechado com a Raízen de fornecimento de 20 mil m3 diários de biometano a partir de 2023 para produção de amônia verde é o primeiro passo da Yara em relação ao energético no Brasil. É o que conta Daniel Hubner, vice-presidente de Soluções Industriais da Yara International, nesta entrevista à ABiogás News.
Para Hubner, o Brasil tem imenso potencial para produção de biometano. O executivo elogia o Renovabio como política de incentivo às energias renováveis, mas acredita que o país ainda precisa avançar bastante especialmente para atrair investimentos na rota do hidrogênio verde.
Quais são os planos e metas de descarbonização da operação da Yara?
A atuação da Yara para a descarbonização é ampla e envolve diferentes frentes de atuação. Demos um passo importante neste caminho com a parceria com a Raízen para a aquisição diária de 20 mil m3 de biometano. Trata-se do primeiro movimento para a produção de amônia verde no Brasil, o que permitirá o desenvolvimento de soluções sustentáveis no curto prazo, seja em nitratos para aplicação industrial ou em fertilizantes nitrogenados. E a partir da amônia verde, a oferta do fertilizante verde passa a ser uma realidade, com um impacto positivo para toda a cadeia do agronegócio – agricultor, indústria de alimento e consumidor final –, assim como a oferta de soluções industriais verdes para uma vasta gama de clientes atendidos pela empresa.
Em relação à matriz energética, quais são os planos para uso de fontes renováveis no Brasil
A Yara está mapeando e avaliando todo o cenário de fornecimento de biometano no Brasil, assim como de outras fontes renováveis disponíveis para a produção de amônia verde. A empresa adquiriu esse primeiro lote de biometano da Raízen e agora avalia novas aquisições para dar continuidade à estratégia de descarbonização, não apenas por meio do biometano, mas também por outras fontes para transformar a matriz energética. Nosso objetivo é buscar maior competitividade na matéria-prima, para que a amônia verde e os produtos seguintes da cadeia da amônia ganhem cada vez mais território no Brasil, como uma opção acessível e viável para todos os clientes.
A empresa tem avançado em pesquisas e estudado diversas alternativas para a produção de amônia verde em sua unidade de Cubatão, a principal produtora de amônia do Sudeste. Globalmente, a Yara já está rodando projetos piloto de amônia verde, por exemplo os baseados em energia eólica na Holanda, em energia solar na Austrália e em energia elétrica hídrica na Noruega. Mas o primeiro modelo de escala mundial de produção de amônia verde será na Noruega, onde iniciamos um projeto que visa converter a nossa atual planta de Porsgrunn para uma produção 100% baseada em energia elétrica, capaz de produzir 500 kt de amônia verde por ano – alimentando combustíveis de transporte livre de emissões e soluções de alimentos descarbonizados. Isso equivale à redução de 800 mil toneladas de CO2, ou emissão de 300 mil carros.
A Yara tem trilhado uma jornada consistente em direção à neutralidade total em carbono, com a meta de ser neutra em carbono até 2050. É um caminho sem retorno e que responde ao grande anseio de construir um mundo mais sustentável para as próximas gerações. Além disso, é também uma oportunidade clara de contribuir para a agricultura sustentável e, ao mesmo tempo, construir novos negócios para os agricultores e para a Yara.
A companhia tem outros outros projetos envolvendo biogás e biometano?
A Yara adquiriu esse primeiro lote de biometano da Raízen e agora avalia novas aquisições para dar continuidade à estratégia de descarbonização. O complexo de Cubatão está pronto para trabalhar com o biometano em substituição ao gás natural como matéria-prima para a produção de amônia verde. Mais do que isso, o complexo de Cubatão está muito bem posicionado para atender os dois mercados, tanto o de fertilizantes quanto o de soluções industriais, apoiando a descarbonização de outros setores químicos e industriais além do agro. A planta apresenta inclusive capacidade de exportação, com diferenciais que impulsionam seu potencial, como fácil acesso ao grid – rede de distribuição, diferentes modais logísticos, mão de obra etc.
Qual é a visão da Yara sobre o biogás e o biometano no futuro energético e de descarbonização da companhia e também do Brasil?
O biometano é a base para uma economia circular. Por meio dele, conseguimos produzir amônia verde, e então fertilizantes verdes. E uma de suas principais vantagens é o potencial que o Brasil apresenta. O país está entre as maiores potências agropecuárias do mundo, o que resulta na produção de uma enorme quantidade de resíduos orgânicos, que podem ser transformados em biogás e, posteriormente, em biometano. Em relação a políticas de incentivo, o Brasil deu passos importantes nesse sentido, como o Renovabio, mas ainda precisa avançar bastante em iniciativas que fomentem a energia renovável, especialmente para atrair investimentos na rota do hidrogênio verde.
Quando falamos em descarbonização da cadeia de produção de alimentos, por exemplo, a amônia verde certamente ocupa um papel de destaque, e pode ser produzida a partir do biometano ou outras fontes em estudo pela empresa, pois é a base para a produção de nitratos, fonte que oferece o nitrogênio para as plantas. Porém, além do próprio fertilizante verde, estamos investindo em inovação aberta e venture capital, por exemplo; trabalhando com ferramentas digitais inovadoras e eficientes em termos de recursos, adequadas para qualquer agricultor em todo o mundo; apoiando os agricultores a criar fluxos de receita verde, ao mesmo tempo em que incentivamos os consumidores a fazerem escolhas de baixo carbono; entre outras iniciativas.