Biogás mira no interior como fonte complementar ao crescimento da indústria de gás no Brasil

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VI Fórum do Biogás reuniu cerca de 360 participantes que discutiram as oportunidades que o Novo Mercado do Gás traz para o energético e as barreiras impostas pela regulamentação da Geração Distribuída

 

Fonte promissora na transição energética, o biogás ganha um novo impulso com as mudanças previstas na legislação do gás. A abertura do mercado favorece sua produção em regiões do interior do País desprovidas de infraestrutura de gasodutos, cumprindo papel complementar ao do gás natural. As inúmeras possibilidades que se abrem na cadeia produtiva do energético foram abordadas durante o VI Fórum do Biogás, realizado nesta quinta-feira, 31 de outubro, e 1º de novembro, em São Paulo.

“O gás está crescendo no mundo, com forte presença nos Estados Unidos, na Ásia, na China, no transporte pesado, na geração de ponta, e o Brasil caminha para criar a sua indústria. Só que, a nosso ver, falta uma perna neste novo programa do governo para impulsionar seu desenvolvimento: o interior do Brasil não tem gás. A malha é reduzida, e, neste contexto, o biogás é a solução. Quanto mais biogás a gente tiver, mais gás natural nós vamos vender”, afirmou o presidente da ABiogás, Alessandro Gardemann, na abertura do evento, que, em sua sexta edição, teve recorde de inscritos, 15% a mais do que no ano anterior.

Segundo Gardemann, o Brasil está cercado por gás natural, com produção da Bolívia, Argentina, do pré-sal, Sergipe e Amazonas,  mas conta com uma malha de apenas 9 mil quilômetros de transporte, do tamanho da Holanda, e 40 mil quilômetros de distribuição, o que corresponde, em proporção, a apenas 1% da malha dos Estados Unidos, o que dificulta que chegue ao interior do País. “Já o biogás pode ser produzido em todas as regiões centrais e, ainda, apresenta vantagens como carbono neutro. Ele é um combustível avançadíssimo, armazenável, despachável, que poder ser gerado na base, distribuído, perto do local de consumo e, principalmente, redutor de custos”, afirmou.

De acordo com o presidente da ABiogás, a matriz energética brasileira está crescendo, e é extremamente competitiva, porém baseada em energia elétrica intermitente. “O Brasil não tem mais expansão barata de energia na base. A visão do setor elétrico é colocar 15 GW de térmicas a gás natural fóssil, sendo 11 GW na ponta, e 4 GW na base, muitas vezes importado e com correção na cesta de óleo mais dólar, enquanto o biogás é corrigido pelo IPCA.

Gardemann destacou ainda o uso de gás em equipamento, com fabricação em diversos países e utilização em caminhões e tratores. “Só falta fabricar no Brasil, mas estas iniciativas já estão começando. A Scania está investindo R$ 1 bilhão em sua fábrica em São Bernardo para produção de caminhões a gás, com entrega programada para abril”, afirmou.

O diretor do Departamento de Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia (MME), Miguel Ivan Lacerda, endossou a visão de Gardemann de que o problema do gás está na falta de gasodutos para sua distribuição no interior. “O Novo Mercado de Gás tenta resolver este problema, mas a Constituição determina que são os estados da federação que devem fazer a distribuição do gás. Em cinco anos as concessões destes estados vão vencer, o que representa uma oportunidade para o biogás”, comentou.

Pesquisador da Embrapa, Miguel Ivan foi um dos mentores do RenovaBio, e anunciou no Fórum a ideia, discutida com o presidente da ABiogás,  de criar um programa específico para o biogás, que seria o casamento do RenovaBio com o Novo Mercado de Gás. “Vamos criar o Gás Brasil, porque, para a região central do país, só tem uma solução, que é o biogás, e sobra biomassa para a produção. No RenovaBio, a pegada de carbono da biomassa é uma das melhores. A grande distribuição do Brasil real, do Brasil do interior, onde não tem a construção de midstream, vai ser o biogás”, afirmou.

O novo marco regulatório do gás, pauta principal desta edição do Fórum, tangenciou todos os debates. Diretor-executivo da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto, afirmou que o Brasil conseguiu destravar uma agenda de 20 anos. “Estamos diante de um grande momento. Este é um programa exitoso em trazer o mercado para a mesa, e transformar todo o potencial do gás em geração de riqueza. E com o biogás, conseguimos trazer eficiência, à medida em que está perto da demanda”, afirmou.

Vice-presidente da ABiogás, Gabriel Kropsch conduziu a mesa redonda que tratou da promoção da concorrência. “Quando surgiu o programa do Novo Mercado de Gás, discutimos muito na associação se seria uma ameaça ou oportunidade para o biogás. A integração com o setor elétrico, assim como a promoção da concorrência, são pilares que dependem do setor privado”, afirmou.  “Precisamos de novas fontes de gás. O gás do pré-sal só virá a partir de 2024 e o Brasil tem pressa para fazer a indústria crescer. Tem indústria saindo do gás natural para reduzir custo e utilizando queima de cavaco de madeira, quando temos outros energéticos muito mais modernos e eficientes”, comentou.

O painel contou com as apresentações do gerente de marketing da GasBrasiliano, Alexandre Schoubek, e do fundador e CEO do Grupo Capitale Energia e CEO da ZEG, de Daniel Rossi, que mostraram grandes projetos em desenvolvimento na região Noroeste do Estado de São Paulo com produção de biogás a partir da indústria sucroenergética, e, no caso da ZEG, como produtora de biometano, combustível homologado pela Scania para uso de seus motores.

Na mesa redonda, estiveram a coordenadora de Saneamento e Biogás da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro, Flávia Porto; o presidente da Cegás, Hugo Figueirêdo, e o superintendente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Cristiano Vieira.

“Difícil falar em mudanças no setor de gás sem falar em energia elétrica com termoelétrica ancorando. O setor elétrico passa por uma transformação que afeta tanto a oferta, quanto a demanda. Toda a discussão de abertura do mercado, descentralização e possibilidade de usar outras fontes competitivas, como o biogás, está inserinda não só no fornecimento de energia elétrica, como a indústria também busca de eficiência, e o empoderamento do consumidor com a economia no custo da energia”, avaliou Cristiano.

Geração Distribuída

A revisão sobre a regulamentação da geração distribuída, em consulta pública aberta pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foi amplamente debatida pelos palestrantes, que consideram a medida uma ameaça à expansão do biogás.

O segundo painel, mediado pela coordenadora de Negócios em Geração Distribuída da Raízen, Bárbara Rubim, abordou a integração do com o setor elétrico:  o biogás como fonte despachável, descentralizada, descarbonizada e competitiva, com palestra do diretor-presidente da CBiogás, Rodrigo Regis; e mesa redonda com o diretor de Engenharia e Implantação na Foxx Participações, Jorge Rogério Elias e com a advogada Maria João Rolim, especialista em energia e sustentabilidade.

“Esta questão de taxar o sol é uma forma de chamar atenção para o assunto, mas o que tem que se discutir de fato é como fazer a geração distribuída crescer, como fazer a transição, para um cenário sustentável e ao mesmo tempo ter uma tarifação justa. Este é o desafio. Para a geração distribuída evoluir, é importante que a distribuidora também sobreviva. Também acho importante incentivar determinadas fontes que ainda não estão maduras”, afirmou.

Para Gardemann, as discussões sobre o tema devem continuar, porém, trouxeram uma visão que considerou bastante proveitosa. “Esta questão tem de estar atrelada à modernização do setor elétrico. Se a revisão da Resolução 482 for feita como está sendo proposta, talvez mate diversas iniciativas de geração distribuída que estão nascendo agora, um ecossistema de inovação que está se desenvolvendo regionalmente. Isso pode acabar e talvez não seja possível voltar na hora que o setor elétrico for modernizado e quiser incentivar este tipo de fonte. Fazer uma transição mais light, com a modernização do setor elétrico que reconheça as externalidades vocacionais das fontes, é o mais indicado”, afirmou.  

O último painel do dia apresentou um panorama do Biogás hoje, moderado pelo presidente da ABIogás, Alessandro Gardemann ,com palestra da gerente de novos negócios da Ecometano, Melina Uchida e mesa redonda com o presidente da Associação das Indústrias Sucroenergéticas de Minas Gerais (Siamig), Mario Campos Filho; e do presidente da Associação da Indústria de Cogeração de Energia (Cogen), Newton Duarte.

Futuro do Biogás

O segundo dia do Fórum foi reservado às discussões sobre o futuro do biogás. Diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol, Gonçalo Pereira acredita que o biogás constitui a grande molécula da transição, não apenas para o Brasil, mas para o planeta. “A mudança da economia fóssil para a renovável vai acontecer. E o biogás é importante para distribuir energia, gerar emprego e promover uma melhor distribuição de renda”, concluiu em sua apresentação.

O diretor de Estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), José Mauro Coelho, falou sobre o potencial do biogás, apresentando dados do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2029. Segundo José Mauro, o biogás cresceu 40% ao ano no período de 2010 a 2018, mas ainda ocupa um percentual irrisório na matriz energética brasileira de 0,7%. “A boa notícia que podemos inferir é que existe um potencial enorme para crescer”, afirmou.

De acordo com os dados atualizados da EPE, o Brasil contava com 126 plantas de biogás em 2015, que, em 2018, passaram a 276, um aumento de 119%. A produção, que era de 1,4 milhão de metros cúbicos/ dia, chegou a 3 milhões de metros cúbicos/dia, sendo que cerca de 70% do biogás produzido tem origem em aterro sanitário. “Chamo a atenção para o setor sucroenergético, que tem o maior potencial para geração de biogás, no entanto, ainda com uma participação pequena. O potencial do setor é três vezes maior que o da agricultura e oito vezes maior que o do saneamento”, comentou.

Em 2012, o País processou 600 milhões de toneladas de cana. As projeções da EPE para 2030 são de 852 milhões de cana processada, o que representa um potencial de produção de biogás de 46 milhões de metros cúbicos/ dia, considerando apenas o aproveitamento da vinhaça e da torta de filtro como resíduos. “O Brasil importa 22 milhões de metros cúbicos/ dia de gás da Bolívia, ou seja, este potencial cobriria em duas vezes o que importamos”, mostrou.

“O futuro do biogás está aqui. Acompanho desde o início o trabalho da associação na realização deste Fórum, que cresce a cada ano em número de participantes, assim como as plantas de biogás no País. O que enxergamos para os próximos anos é um aumento efetivo da participação do biogás na matriz energética brasileira”, concluiu José Mauro.

O Fórum do Biogás é promovido pela Associação do Biogás (ABiogás) e, reuniu, durante dois dias em São Paulo, os principais atores de toda a cadeia de produção do biogás com representantes do governo, empresários, pesquisadores e especialistas no tema, que puderam trocar informações, disseminar conhecimento e fazer contatos para futuros negócios. O evento contou com mais de 360 inscritos, um recorde em suas seis edições. A ABiogás, que já conta com mais de 60 empresas associadas, ganhou mais 16 novas associadas em 2019, ampliando sua atuação junto ao setor e ao governo.

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