ABiogásNews | MAIO 2020: ENTREVISTA ADRIANO PIRES

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COVID-19 VAI CONSOLIDAR A DIVERSIDADE DE FONTES ENERGÉTICAS

A pandemia da covid-19 surpreendeu o mundo por sua intensidade e velocidade. No setor energético, o impacto mais visível são as sucessivas quedas do preço internacional do petróleo, provocadas pela redução do consumo. E com preços tão baixos, um grande temor surgiu: qual será o futuro das fontes renováveis de energia com o óleo tão barato?

Nesta entrevista a ABiogás News, Adriano Pires sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) – que completa 20 anos em 2020 – analisa possíveis desdobramentos da covid-19 na área de energia. Mesmo fazendo ressalvas sobre a impossibilidade de se prever quanto tempo o mundo irá levar para sair da crise atual, o executivo aposta que um futuro mais limpo chegará antes do que se previa.

“A crise atual não é econômica em sua origem, ela é provocada por um problema de saúde pública. A economia está sendo dizimada pela saúde pública. Dado esse contexto, quando descobrirmos a vacina, ou remédios eficazes no tratamento da covid-19, acredito que teremos uma volta da transição energética, e de modo mais forte, mais acelerado do que antes.”

Com mais de 30 anos de experiência na área de energia, Pires é doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII (1987), mestre em Planejamento Energético pela COPPE/UFRJ (1983) e economista formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1980). 

O que se pode esperar do setor energético após a pandemia da covid-19?

Estamos em um momento no qual ninguém sabe de nada. Ou estão usando as velhas respostas, que não cabem mais, porque as perguntas são novas, ou então são “profetas”, que em geral se confundem com os oportunistas e propõem soluções falaciosas. Mas é claro que há alguns pontos que podemos começar a delimitar. Por exemplo, não há dúvida de que a crise vai passar. Toda crise passa. Só não saberia dizer quando. Cedo ou tarde vamos reabrir a economia, mas sob dois cenários: ou será um sucesso, ou será ruim e irá aumentar o número de mortos e contaminados, obrigando o retorno do isolamento social. Mas, mesmo considerando que a reabertura dê certo, ela irá ocorrer em um contexto no qual ainda não haverá vacina contra a covid-19. Então, o comportamento do consumidor, da população e das empresas não será normal. Vai ter que se tomar todos os cuidados para que não haja um repique da doença.

No setor energético, estamos vendo o mercado de petróleo ser dizimado. A crise trouxe um cenário inédito, de produção muito grande, preço despencando e o consumo de petróleo e derivados caindo tanto ou mais que o preço. Normalmente, em situações como essa, quando o preço cai o consumo aumenta, o que não aconteceu. O ineditismo é de tal ordem que você chegou a um evento que ninguém poderia imaginar: preço zero no mercado norte-americano de petróleo. Então, as empresas de petróleo vão ter um ano muito difícil, sobretudo as que estão mais alavancadas, porque a geração de caixa deve ser ruim. A BP apresentou o balanço do primeiro trimestre de 2020 e seu resultado foi 20% do apresentado no primeiro trimestre do ano passado. Os resultados de outras companhias de petróleo devem seguir essa tendência. Essas empresas já estão reduzindo drasticamente seus custos, parando de produzir óleo e reduzindo a carga de suas refinarias, que estão com estoques muito grandes pela queda do consumo.

E qual deverá ser o novo patamar do preço do barril de petróleo?

Não sei responder. Agora, vamos supor que a reabertura da economia seja bem sucedida. Com isso, pode ser que haja um crescimento do consumo de combustíveis no segundo semestre, principalmente de gasolina. Vamos lembrar que será uma época ainda sem vacina, e então, quem puder não vai usar transporte público, mas sim seu próprio veículo, consumindo mais esse combustível. Ainda assim, vamos ter de tomar cuidado com a saúde pública e a natureza. Então, tenho esperança de que continuaremos a avançar na transição energética.

Um dos debates do momento é justamente esse: se a queda do petróleo será um empecilho ou um estímulo à expansão das fontes renováveis de energia.

A crise atual não é econômica em sua origem, ela é provocada por um problema de saúde pública. A economia está sendo dizimada pela saúde pública. Dado esse contexto, quando descobrirmos a vacina, ou remédios eficazes no tratamento da covid-19, acredito que teremos uma volta da transição energética, e de modo mais forte, mais acelerado do que antes.

Por quê?

Porque as pessoas vão entender ainda mais que mudanças climáticas são algo sério. As pessoas vão começar a entender que o mundo não é plano, é redondo. Entender que as mudanças climáticas não vão chegar como chegou o coronavírus, que nos obrigou de um dia para outro a ficar em casa para evitar a contaminação. Meu exemplo para a mudança climática é um copo de água que você vai enchendo com gotas: em algum momento, mesmo sendo enchido lentamente, o copo vai transbordar se você não parar. Então, temos de evitar que a água transborde. Se ela transbordar, pelo que a ciência já comprovou, os efeitos serão piores que os do coronavírus. Também aposto na transição energética porque acredito que a covid-19 vai fazer as pessoas acreditarem mais na ciência. Até a pandemia muitas pessoas, sobretudo jovens, davam pouca ou nenhuma atenção à ciência, estavam mais preocupadas em ganhar dinheiro no mercado financeiro. Agora acredito que vai se prestar mais atenção na ciência, seja na medicina, seja na matemática, na física. Por isso acho que a questão ambiental tende a crescer.

Então, mesmo com a queda do petróleo, sua visão é de que a transição continua?

Sim, sou otimista quanto a isso. E acredito que no momento em que encontrarmos a vacina para a covid-19 vamos acelerar a substituição do petróleo por fontes mais limpas. A começar pelo próprio gás natural, que, além de ser a principal fonte da transição energética, ficou barato com a crise atual. Assim, o gás natural vai ter uma competitividade ainda maior em relação ao petróleo. As outras fontes renováveis, como eólica, solar, biocombustíveis, virão atrás. Vamos ter uma matriz energética global diferente das que tivemos nos séculos 19 e 20. No século 19, a grande fonte de energia era o carvão, a partir da Revolução Industrial. No século 20, a grande fonte foi o petróleo, com o advento dos automóveis. Agora não haverá o domínio de uma única fonte, e o coronavírus irá acelerar esse processo. Acredito que haverá uma regionalização de fontes.

O que seria ideal.

Sim. Cada país tem uma vantagem comparativa. Por exemplo, falar em carro elétrico no Brasil não é igual a falar em carro elétrico na Europa. E por que não é igual? No Brasil, temos uma vantagem comparativa gigante no agronegócio. Isso é fato. Nosso país é e deverá continuar sendo uma espécie de celeiro mundial de alimentos e proteína. E no agronegócio temos a energia, com o etanol, o biodiesel. O Brasil tem clima, dimensão continental, quantidade de terras produtivas que nos permitem ter essa vantagem comparativa. Se não houvesse etanol no Brasil, as doenças respiratórias no país seriam muito piores, sobretudo nos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Das 30 cidades com maior poluição do ar em todo o mundo, 21 estão na Índia. O Brasil não tem nenhuma cidade nessa lista. Então, no futuro, o etanol brasileiro poderá ser uma commodity de exportação, para ser misturado a outros combustíveis e reduzir a poluição, garantindo melhor qualidade do ar. Por isso acredito que, ao contrário do que possa parecer, o preço baixo do petróleo não irá atrasar a transição energética ou o pico de demanda do petróleo, mas sim acelerar a mudança.

E como o Brasil ficaria nesse processo?

Estou preocupado com o que está acontecendo neste momento com o etanol. Não se usa a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, cobrada sobre a gasolina) para garantir competitividade ao etanol, não se financia o estoque do combustível. O país está demorando para tomar uma atitude, e enquanto isso o etanol vai morrendo. O governo diz que vai ajudar alguns setores, mas não diz nada sobre o etanol. Vamos proteger a Petrobrás e seus combustíveis fósseis e deixar os renováveis? Isso é de uma miopia, ou melhor, de uma cegueira absurda. Quando essa crise passar, e vai passar, corremos o risco de ter um setor totalmente quebrado, sucateado.

E o etanol é um sobrevivente. No primeiro governo de Luís Inácio Lula da Silva, ele falava que o Brasil seria uma “Arábia Saudita verde”. Houve incentivos a plantar cana, a instalar usinas e também foi criado o programa de biodiesel. Mas, em 2008, com o pré-sal, o Brasil virou uma Venezuela. E no primeiro governo de Dilma Rousseff, ela resolveu subsidiar o preço da gasolina e quebrou o etanol. O RenovaBio é um programa importante que vinha ajudando na recuperação do setor, mas, com a pandemia, o etanol, como todos os setores da economia, “contraiu” o vírus. Mas alguns setores estão recebendo “respiradores” do governo, o que não acontece com o etanol.

E o setor sucroenergético é apontado como uma das principais correntes para a produção de biogás e biometano, inclusive pelo PDE (Plano Decenal de Energia) 2029.

Exatamente. Mas o PDE é ridículo em relação ao biogás. Novamente, o que se vê é miopia. O documento não enxerga o potencial de biogás que temos no Brasil. Não é todo país do mundo que tem o potencial que o Brasil tem desse energético. E se trata de um combustível limpo, de uma energia renovável. E aí o PDE projeta um percentual de biogás na matriz energética brasileira que parece que estamos em outro planeta. Sabemos que há várias previsões de aproveitamento do biogás no país, mas mesmo os números mais conservadores são gigantes. E isso é ignorado pelo planejamento energético. Por isso acredito que o PDE 2030, a ser divulgado no próximo ano, vai ter de olhar essas variáveis que estamos tratando agora. Se o Brasil entender o gênero desta crise, o país vai ter de ter um planejamento energético bastante diferente do que vem fazendo. E as fontes renováveis vão precisar de mais atenção.

Estamos passando por um processo que chamo de “destruição criativa”. No day after da pandemia teremos empresas que vão sumir ou ter seu peso diminuído na economia, enquanto outras vão ter sua importância muito aumentada. Você vai destruir velhas empresas e construir novas, destruir velhos empregos e criar novos empregos. E isso já ocorreu várias vezes no mundo. Na atual destruição criativa, os governos têm de incentivar e dar espaço para as novidades, que têm de trazer melhoria de qualidade de vida. [:]

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