Engenheira química formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tamar Roitman chega à Gerência Executiva da ABiogás com o desafio de ampliar o conhecimento sobre o biogás e o biometano e, com isso, disseminar mais oportunidades de negócios no segmento. Para ter êxito nessa tarefa, acredita que sua formação e sua experiência anterior serão fundamentais.
Com mestrado em Planejamento Energético pela Coppe/UFRJ, Tamar adquiriu uma visão integrada do setor brasileiro de energia. E em seus três anos como pesquisadora da FGV Energia, teve contato direto com o segmento de biocombustíveis.
Cursando o doutorado em Bioenergia pela Universidade de Campinas (Unicamp), a executiva acredita que pode contribuir ainda mais para desenvolver o setor de biogás no Brasil. “O mercado de biogás ainda está em seu início. A produção ainda é muito pequena, mas seu potencial é enorme. Tudo isso motivou minha vinda para a ABiogás, para agregar meu conhecimento na área”.
Como sua experiência acadêmica e profissional pode contribuir com seu trabalho na ABiogás?
Tive a oportunidade de ver todo o “mundo da energia”, não apenas biocombustíveis, mas também outras fontes. Na FGV Energia, o objetivo é trazer conhecimento à população, com estudos e pesquisas de mercado, assim como propor políticas públicas para o setor energético. O trabalho da ABiogás está nessa linha: divulgar o que é o biogás, criar um maior conhecimento sobre esse energético. Com minha visão de políticas públicas, de regulação, com essa experiência integrada, posso me concentrar no biogás, mas situá-lo em um contexto bem maior, de planejamento energético.
Qual a sua visão sobre o biogás hoje, no Brasil e no mundo?
Hoje já existe uma produção grande em outros países, como Alemanha e Estados Unidos. A maior produção hoje está na Europa. No entanto, o Brasil é o país que tem o potencial mais significativo. Temos muitos resíduos. O biogás tem grande capacidade de trazer receitas para o produtor rural, aumentar os empregos. É um produto que dá valor ao lixo, ao resíduo. Isso é essencial hoje, diante da necessidade que temos de reduzir os resíduos que produzimos, de promover a economia circular, aumentar a quantidade de energia limpa e reduzir a dependência dos combustíveis fósseis. E o biogás traz uma série de vantagens. O gargalo que temos sobre ele hoje é o conhecimento. É isso que temos de mudar. Quem conhece o biogás sabe que ele é viável economicamente, que tem diversas possibilidades. Mas quem não o conhece não consegue enxergar isso. Este é o grande trabalho que temos na ABiogás: aumentar o conhecimento e o uso desses sistemas de produção do energético.
Como fazer isso?
Precisamos aumentar a quantidade de pessoas que tenham essas informações. Levar esse conhecimento também a governos, sobretudo nas esferas estaduais. Conversar mais com setores que tenham grandes potenciais de aproveitamento do biogás, como o sucroalcooleiro, que atualmente gasta dinheiro com um resíduo que pode ser aproveitado para gerar esse combustível. Sem falar nos resíduos sólidos urbanos. Estamos literalmente jogando dinheiro no lixo. E mais do que isso, estamos impactando o meio ambiente, aumentando a poluição de rios e do solo. Com o biogás não apenas reduzimos esses impactos, mas também geramos energia e aumentamos a receita. Quem não quer isso? Precisamos, então, viabilizar projetos.
Quais são os papéis do poder público e da iniciativa privada neste cenário?
É muito nítido que as novas tecnologias precisam de políticas públicas próprias, de incentivos específicos, para que se tornem realidade. No Brasil, isso está ocorrendo com a energia solar e já aconteceu com outras fontes, como o etanol. Nessas políticas públicas se encaixam tanto incentivos para a aquisição de equipamentos, para fabricação no país e para o produtor de energia, com menores taxas e impostos para incentivar a geração. Pelo lado do setor privado, é preciso desenvolver o mercado de equipamentos, com o desenvolvimento de tecnologia nacional, de capacitação técnica, de recursos humanos. É importante que haja integração entre as ações públicas e as ações privadas.
E um dos pontos mais sensíveis nesta questão diz respeito ao financiamento.
Sim. Uma das maneiras de fazer o mercado crescer é criar linhas de financiamento específicas, facilitando o acesso às tecnologias.
Ao mesmo tempo, criou-se no Brasil certo temor ao termo “subsídio”. E, grosso modo, estamos falando de subsídios. Como equilibrar isso?
A questão é saber dosar o subsídio. Quando se quer fazer uma política industrial, a ideia é que se dê subsídios por um tempo determinado. Eles têm de acabar em algum momento.
Uma das reivindicações da ABiogás é a promoção de leilões centralizados de energia elétrica específicos para o produto biogás.
É um ponto muito forte para nós. Isso já aconteceu com outras fontes, como a eólica e a solar. Para se começar uma indústria é preciso dar um diferencial. Mais do que isso: as externalidades positivas de um energético, como acontece com o biogás, não são incluídas atualmente nos preços dos leilões. Não se considera o custo de destinação dos resíduos, os benefícios ambientais com a redução da poluição. Não existe no mundo uma metodologia que consiga precificar esses benefícios. Por isso, os leilões específicos para uma fonte são uma opção e uma oportunidade. Assim, você movimenta toda a cadeia de produção, de tecnologia, de equipamentos, e vai barateando o custo da energia.
Na área elétrica, o biogás tem competidores de peso; as fontes eólica e solar. Os leilões específicos são uma solução para isso? Ou essas fontes não são competidoras?
Não existe uma solução única. Eólica e solar terão seu espaço. É muito mais fácil colocar um painel solar do que um biodigestor em uma casa, porque não se gera resíduo suficiente para isso. Mas para quem produz bastante resíduo, há espaço para o biogás. É o caso da suinocultura, da indústria sucroenergética. Não é, portanto, uma competição, mas uma complementaridade. É ampliar as possibilidades. Por que precisamos usar somente óleo diesel? O diesel muitas vezes é importado, chega ao país de navio, é transportado por um caminhão movido a diesel para o fazendeiro, que poderia produzir sua energia ali mesmo, gerando biogás e biometano. Há um mundo de possibilidades, e cada uma delas terá seu papel. Quando falamos da transição energética, temos de pensar que poderemos usar todas as opções que temos, inclusive combustíveis fósseis. O petróleo não irá desaparecer, mas ele tem de ter um papel. O biogás terá outro papel, eólica outro, solar outro, e assim sucessivamente. O que temos de buscar é a ampliação da eficiência energética e das soluções. E nesse sentido o Brasil é privilegiado. O país tem a vantagem de gerar alimentos e energia sem que um entre em competição com o outro.
Falando em biometano, a Scania passou a produzir no Brasil caminhões à base desse combustível. Pode ser um nicho de mercado para aproveitar esse energético?
Sim. É o que falo sobre política industrial. Quando se incentiva a indústria automobilística a produzir esse tipo de veículo, você aumenta a demanda por biometano. Aumentando a demanda, aumentará também a produção do biocombustível. O mercado se movimenta para isso. E faz todo sentido ter não apenas caminhões, mas todo o maquinário agrícola movido a biometano. Utiliza-se um recurso oriundo da própria produção agrícola sem precisar levar óleo diesel até as fazendas. Isso é eficiência energética.
E quanto ao Novo Mercado de Gás?
É uma excelente oportunidade. Abrir o mercado de gás abre espaço para o biogás e o biometano. Quando se abre o mercado de gás como um todo, faz sentido para a Scania, por exemplo, produzir caminhões e ônibus a gás. Além de ser muito menos poluente ter caminhões e ônibus a gás. É uma solução, inclusive, para a poluição atmosférica nas grandes cidades.
Qual é sua avaliação sobre o RenovaBio? Ele é um mecanismo suficiente para estimular o setor?
É um programa importante, que traz oportunidades. É claro que os biocombustíveis que já estão mais estabelecidos no mercado, como o etanol e o biodiesel, terão mais vantagens neste momento. Há discussões sobre a capacidade do RenovaBio de estimular a produção de biometano, já que o biogás não é diretamente contemplado pelo programa. Mas é preciso pensar que o mercado de biometano não depende apenas de um mecanismo como o RenovaBio. É preciso criar demanda pelo biometano, ter postos de abastecimento, infraestrutura de escoamento, ônibus e maquinário agrícola convertidos para o combustível.
Como você vê o setor de biogás e biometano no Brasil em curto, médio e longo prazos?
O setor já deu um salto bem grande de 2015 para cá. Ainda assim, respondemos por menos de 1% da geração de energia no Brasil. Mas o potencial é imenso. Por isso o nosso trabalho na ABiogás é reunir os atores e direcionar mais investimentos. A disseminação de conhecimento também trata disso: mostrar quem está produzindo, quem pode produzir, o que falta para que isso ocorra, se há possibilidade de produzir no Brasil equipamentos que hoje são importados e caros. Nosso objetivo é tornar a ABiogás uma referência para quem quer produzir biogás e biometano no Brasil.
Com que setores a ABiogás mais irá dialogar para viabilizar isso?
Certamente um deles é o setor sucroenergético, que tem um grande potencial, mas ainda muito pouco utilizado. Hoje, a maior produção de biogás é oriunda de resíduos sólidos urbanos, mas nosso maior potencial está no segmento sucroalcooleiro, que já está acostumado a produzir energia elétrica com a biomassa. Outro segmento importante é o agropecuário, que tem o segundo maior potencial de aproveitamento de biogás. Há um trabalho importante a ser feito com esses produtores.
RESUMO DAS NOTÍCIAS DE FEVEREIRO
Agenersa regula consumidor livre de gás no RJ
A Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) publicou um novo marco regulatório para o gás natural. A Deliberação 4068/2020 é considerada um passo importante para a efetivação no estado do Novo Mercado do Gás, lançado pelo governo federal em julho de 2019, por criar as regras que definem o consumidor livre de gás. A regulação ainda estabelece diretrizes para comercialização, autoprodução e autoimportação do energético.
Pelo novo marco fluminense, o volume de gás para enquadramento de um consumidor como cliente livre é de 10 mil m³ diários. Consumidores cativos que queiram migrar para o mercado livre deverão comunicar sua decisão à Naturgy, que reúne CEG e CEG Rio, concessionárias de gás canalizado do Rio de Janeiro, com 12 meses de antecedência.
Durante os três primeiros anos de vigência da deliberação, fica autorizada a construção de gasoduto dedicado somente para novos agentes livres (consumidores, autoprodutores e autoimportadores) ainda não interligados à malha de distribuição. A instalação de nova infraestrutura somente será permitida em casos de contratação de capacidade adicional no mercado livre pelos agentes para expansão de suas capacidades produtivas, respeitando os contratos vigentes com as distribuidoras de gás canalizado.
Os autoprodutores e autoimportadores deverão comprovar à Agenersa se receberam da ANP a autorização para atuarem como tais. Já o consumidor livre deverá apresentar sua documentação diretamente à agência reguladora do Rio de Janeiro.
PDE 2029 projeta 11 GW em geração distribuída em 2029
O Plano Decenal de Energia (PDE) 2029 prevê que o Brasil terá 11 GW instalados de capacidade a partir da micro e minigeração distribuída em dez anos. De acordo com o estudo, desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o país irá atingir 1,3 milhão de clientes de GD, o que representará cerca de 2,3% da carga total do sistema nacional, no final da década.
De acordo com as projeções do PDE, os novos sistemas irão representar investimentos estimados em R$ 50 bilhões. A grande maioria desse volume deverá ser suprido por sistemas solares fotovoltaicos, que devem somar quase 10 GW de capacidade em 2029.
Em relação à energia elétrica gerada com biogás, o PDE projeta uma maior disponibilização de termeletricidade à base do energético a partir de 2023. De acordo com o plano, isso se dará a partir da “sazonalização definida a partir dos processos do setor sucroenergético e possibilidade de estocagem do insumo”.
A relação entre a eletricidade a biogás e o setor sucroenergético segue os apontamentos feitos pelo plano de um maior aproveitamento do biogás pelo setor sucroalcooleiro a partir de seus resíduos.
“ESTÁ POR VIR”
Semear reúne pesquisadores e especialistas na área ambiental
Nos dias 3 e 4 de junho, o Seminário de Meio Ambiente e Energias Renováveis – Semear vai reunir, na Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais, estudantes, pesquisadores, consultores e profissionais que atuam na área ambiental, além de palestrantes convidados.
O evento é promovido pelo Instituto de Recursos Naturais – IRN e organizado pelo Centro Nacional de Referência em Pequenas Centrais Hidrelétricas – CERPCH, ambos da Unifei.
Entre os diversos temas a serem debatidos, estão: resíduos sólidos; saneamento e gestão ambiental; energias renováveis; minimização e controle da poluição; e recuperação de áreas degradadas.
NOVIDADES DO SETOR
Calculadora aponta potencial de biogás na criação animal
O Centro Internacional de Energias Renováveis (CIBiogás) lançou no 32º Show Rural Coopavel, em Cascavel (PR), a Calculadora de Biogás. A ferramenta é gratuita e permite saber o potencial de produção de biogás pela quantidade de animais, seja de suínos, bovinos ou de aves. A conversão é estimada em eletricidade e em GLP (gás de cozinha).
Projeto de usina solar e a biogás no Nordeste
O Grupo Alexandria, de projetos e operações financeiras estruturadas no setor de energia, anunciou a intenção de instalar uma usina híbrida de 1 MW solar e a biogás na Região Nordeste em seis meses. O projeto, de R$ 8 milhões, poderá ser instalado em Alagoas, Pernambuco, Paraíba ou Ceará. O local irá depender do ciclo de produção da indústria sucroalcooleira, já que o biogás utilizado será proveniente de rejeitos da produção de açúcar e etanol.
Startup aproveita biogás gerado na produção de cerveja
Em parceria com a Ambev, a startup gaúcha Luming Inteligência Energética desenvolveu uma solução para aproveitar o biogás gerado na produção de cerveja. O sistema já em funcionamento em três unidades da empresa. Além de gerar energia elétrica, o aproveitamento do biogás vai evitar a emissão de 482 toneladas de CO2 por ano, segundo seus idealizadores.[:]